sexta-feira, 19 de julho de 2013

Uma pitada de samba e um bocado de histórias

Episódio de hoje: 

O samba "foge" para os morros


O samba já era conhecido e consagrado na década de 1920, ainda sim, sofria perseguições. O gênero musical já havia atravessado o Atlântico diversas vezes, inclusive, Darius Milhaud, que defendia a ideia dos modernistas, compôs diversas obras com ritmos brasileiros, como o chorinho Deux poèmes tupis e o samba Le boeuf sur le toit, lembrado por Donga, amigo de Milhaud, que serviu de trilha sonora para um espetáculo de Jean Cocteau, “usando trechos de dezenas de músicas cariocas que fizeram sucesso nos anos 10” (Vianna, 1995: 104).
"Le boeuf sur le toit", de Darius Milhaud


Ao mesmo tempo em que era tocado em grandes salões, o samba era perseguido nas ruas. Por um lado, o grupo Os Oito Batutas, formado basicamente por negros e mulatos, que tinha como integrantes Pixinguinha, Donga, João Pernambuco entre outros, se apresentava no Cine Odeon, no Theatro Municipal e no exterior. Por outro lado, diversos sambistas como Heitor dos Prazeres eram presos acusados de vagabundagem simplesmente por tocarem violão na rua.

Os Oito Batutas


No início da década de 1920 até meados dos anos 30, o samba ainda era coisa de malandros e cantoria de vagabundos. Os sambistas estavam sujeitos à prisão por tocar violão. A polícia pregava a ordem e não dava trégua. Mas como Jota Efegê descreveu, o samba era valente e não se deixava intimidar pela repressão, apesar de espancados e presos por vagabundagem, os sambistas persistiam em tocar onde quer que fosse. A solução encontrada por eles para fugir da repressão foi subir para tocar samba nos morros, pois lá não eram incomodados.


Os morros da Mangueira, do Estácio e do Salgueiro eram os principais pontos de encontro dos sambistas que fugiam da violência policial. Nas favelas o “samba do asfalto” se encontrava com o “samba do morro”, e assim nasceria uma nova forma de tocar samba, que será visto no capítulo mais adiante. 


Nas andanças pelos bairros do Rio de Janeiro, Heitor dos Prazeres foi o principal responsável por espalhar os sambas pelos bairros de Madureira, Oswaldo Cruz, Olaria, Lapa, Estácio e Vila Isabel, onde conheceria Noel Rosa, o maior sambista de todos os tempos e um dos principais responsáveis pela volta do samba para os asfaltos.

Veja o episódio 1 em Os primeiros passos do Samba

Veja o episódio 2 em Tia Ciata

Veja o episódio 3 em O negro, o mestiço e o mulato

Veja o episódio 4 em O samba e o futebol - a ginga das rodas e os dribles nos campos

 



terça-feira, 2 de julho de 2013

Um pequeno comentário analítico sobre a Revolta do Vinagre.

Em primeiro lugar, vou deixar claro que este comentário não é uma análise definitiva desta Insurreição Popular que estamos vivendo. É apenas uma ideia que tive após ler algumas reportagens, opiniões de pessoas e de ter participado da passeata do 1 milhão aqui no Rio.



"Nunca vi tanto engajamento, realmente desde 1992 que a população não se unia desta forma por uma causa em comum. Todos sabem que não é por 20 centavos, não é pela copa, é pelo fim dos abusos cometidos pelo governo. Saúde, educação, segurança... a população cansou de ser deixada de lado e entoam o hino e carregam as bandeiras, símbolos de representação e patriotismo, os "laços imaginários" que nos unem, como forma de mostrar somos todos um,lutamos por uma causa e vamos construir a verdadeira nação brasileira" Zamara Graziela, 23 anos, estudante de História. Sobre a passeata de segunda feira 17 de junho no Rio de Janeiro.

A opinião de Zamara é bem interessante. Ela aborda dois problemas que pretendo abordar como questão central. Um é: "como conseguimos mobilizar tanta gente nos protestos quando em décadas anteriores o povo aceitava calado as injustiças?" e outro é: "por que só agora é que o povo "acordou"?". Farei uso de três pensadores que estudei na faculdade, mas acalmem-se vou tentar não ser absurdamente chata com isso.

Não dá para pensar nesse movimento de massas  de 2013 sem relembrar que a ultima vez que 100 mil pessoas estiveram nas ruas no Brasil foi em 1992. Na época do Fora Collor a população também passava por momentos bem difíceis. O que teria mobilizado o povo nas duas situações? Segundo Gabriel Tarde (um sociólogo gordinho que arrumou uma celulite no olho) massa é um conceito muito vago e por isso ele dividiu esse conceito em duas partes:

1- Multidão- que seria conjunto de pessoas que se reúnem em prol de uma causa mas que depois de dispersadas dificilmente se reconectam.

2-Público- conjunto de pessoas que se reúnem por afinidade e que se comunicam por algum veículo de informação, sendo assim mais difícil de serem dispersadas quando o movimento finda. Esse tipo de aglomeração só foi possível com o advento da imprensa.

É claro que há muita simplificação desses conceitos, e por isso aconselho a cada um que se interessar de procurar o texto de Tarde, mas por hora vai servir para o debate. Então, em 1992 reuniu-se 100 mil pessoas para o impeachment de Collor, só que segundo um professor da UFRJ no ultimo debate do departamento de ciência política, em 1992 quem coordenava o movimento eram os políticos de esquerda, que na minha opinião eram as lideranças mas também o veículo de informação necessário para juntar todas aquelas pessoas.

Nos dias de hoje, o Facebook é que se tornou o meio de convocar o público. Através dele conseguiu-se reunir pessoas de diferentes convicções políticas, desde os partidários aos apolíticos. As pessoas compareceram em peso reivindicando seus direitos e protestando contra um inimigo em comum: o governo. O barato é que por mais que a direita e a esquerda queiram se tornar líderes desse movimento (ambas disputam o controle das passeatas, inclusive tentam expulsar um ao outro da comissão de frente) o que vence é a parcela autônoma da população. A maioria das pessoas vai como indivíduos dispostos apenas a representar as próprias insatisfações.

"Aonde eu estava foi super tranquila... a gente se concentrou no ifcs e saímos (segundo a galera do facebook) em torno de 600 dali, seguimos pela uruguaiana e fomos apaludidos pelas pessoas que assistiam da calçada, alguns tiravam fotos e tal... chegamos na presidente vargas e eu segui até a rio branco... as pessoas balançavam panos e folhas brancas das janelas pra demonstrar apoio, jogavam papel picado, piscavam as luzes, eu achei muito lindo. e qualquer pessoa que parecia que ia começar algo próximo de vandalismo era vaiada e chamada a se juntar a galera, então não teve problema nenhum." Gabriela Correa. Estudante de história da UFRJ. Sobre a passeata de segunda feira 17 de junho de 2013.


Vejo isso como um grande fenômeno social que  em outras décadas parece-me impossível que ocorresse. Com certeza o Facebook tem grande participação nele, pois sem a organização que essa rede social promoveu duvido que esses números teriam sido atingidos, no entanto o "gigante adormecido" não acordou só por causa disso. Até porque o Facebook é um meio manipulável também, um exemplo disso foi a Greve Geral que tentaram armar. É preciso pensar no caráter da população brasileira, em suas continuidades e rupturas ao longo da História. Em "Os Bestializados" ,José Murilo de Carvalho  explica que na passagem da Monarquia para a República, o povo brasileiro não exercia a cidadania de acordo com a tradição democrática, e por isso era considerado "bestializado" pelas pequenas camadas da sociedade que aderiram ao novo modo de fazer política. Só que segundo o autor, a população possuía seu próprio modo de fazer política: a sátira no carnaval e outros meios de manifestações populares. Para elas os governantes não lhes representavam.

De certa forma, vejo que durante as ultimas décadas essa característica não deixou de existir. Embora tenhamos adquirido maior expressividade política, não deixamos de satirizar os políticos nos carnavais, em pichações etc, e com certeza não temos nos sentido representados pelos governos, mesmo quando a esquerda transformou-se na ordem da vez. Um historiador marxista disse uma vez que o povo pode aguentar por anos uma situação ruim, mas ele se rebela quando vê que está sendo privado do básico. A pesar de ter empregado essa ideia num contexto social totalmente diferente, imagino que essa ideia de Thompson tenha alguma razão de ser se aplicada ao nosso caso atual. Pense bem, desde que a Dilma foi eleita, temos visto protestos, greves e paralisações da maioria dos setores: a polícia, os bombeiros, os professores, -não tenho certeza, mas acho que os pessoal da saúde também embarcou nessa,-os eletricitários e provavelmente muitos outros que não tomei conhecimento. A maioria deles foi tratada por grande repressão dos governos municipais e estaduais, e tudo isso por causa de cortes de gastos como o que tivemos na Educação.

Acho que a Copa só foi mal vista pela população porque parece uma hipocrisia gastar tantos milhões com um luxo quando coisas primárias estão tão descuidadas.