quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Yayoi Kusama e sua obsessão infinita: encanto para os olhos

                                         
Encerrou-se no último dia 20 a exposição “Obsessão Infinita”, no CCBB-RJ, da artista japonesa Yayoi Kusama. Aberta ao público desde o dia 12 de outubro, a exposição apresentou 110 obras da artista, realizadas entre 1949 e 2012, dentre as quais destacam-se sobretudo as suas instalações; além destas foram expostas pinturas, vídeos, objetos sobre a artista, etc.
            Em todas as suas obras é perceptível a presença constante de bolinhas, de variados tamanhos e cores, que acabaram se tornando a sua marca registrada – Kusama é conhecida internacionalmente pelo título “Princesa das Bolinhas”. A obsessão por bolinhas se torna curiosa, admirável e divertida aos olhos: as bolinhas encantam crianças, adultos e idosos; quando em instalações com luzes ou espelhos fazem o público submergir nas instalações e não ter vontade de sair, apenas ficar admirando o brilho e o reflexo das obras. Porém, é admirável principalmente por ser um reflexo da doença mental de Kusama, que sofre de transtorno obsessivo compulsivo e alucinações desde que era criança.



            Kusama se destaca por suas instalações, talvez por serem interativas e incomuns. Suas pinturas e colagem também merecem destaque, mas talvez por outros artistas realizem obras de mesmo gênero, as suas instalações fascinam mais, com suas luzes, bolinhas, espelhos e falos.  Nascida em Matsumoto, Japão, em março de 1929, Kusama costuma contar que foi a arte que a manteve viva e a impediu de cometer suicídio. Seus sintomas são bastante perceptíveis em suas obras: as bolinhas em excesso são comuns alucinações da artista, os falos sinalizam o seu temor sexual e estes em conjunto com comida, por exemplo, sinalizam o seu temor por quaisquer coisas que entrem no corpo humano. Kusama vive em uma clínica psiquiátrica desde a década de 70, por escolha própria, e continua na ativa, com seus quase 85 anos de idade.
            Devido à guerra em seu país, Kusama viveu nos Estados Unidos entre 1957 e 1973, onde conheceu artistas como Donald Judd, Joseph Cornell e Andy Warhol, que a influenciaram em sua arte pop. Esta é a sua primeira exposição no Brasil, podendo ser encontrada também uma obra sua, “Narcissus Garden”, de 2009, no Instituto Inhotim (MG), que se consiste em 500 esferas de aço flutuando em espelhos de água. Suas primeiras grandes exposições internacionais ocorreram recentemente, como em 2011, no Reina Sofía, em Madrid, e no Centro Pompidou, em Paris; e, no ano passado, na Tate Modern, em Londres, e no Whitney Museum, em Nova York. Sem falar na sua recente exposição na Argentina, no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, onde Kusama não era muito conhecida e, ainda assim, em pleno inverno, a mostra foi um sucesso. Além disso, produziu estampas para a grife Louis Vuitton.
            Produzida pelo Instituto Tomie Ohtake em conjunto com o estúdio da artista, a mostra tem curadoria de Philip Larratt-Smith e Frances Morrris e foi a exposição mais visitada do CCBB dos últimos cinco anos, com cerca de 700 mil visitantes, ultrapassando a marca “O mundo mágico de Escher”, que recebeu um pouco menos de 600 mil visitantes.  A mostra segue para o CCBB Brasília, onde ficará em cartaz de 17 de fevereiro a 27 de abril. Depois a retrospectiva seguirá para o Instituto Tomie Othake, em São Paulo, onde poderá ser visitada entre os dias 21 de maio a 27 de julho.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Gonzagão – A Lenda: para sentir vontade de dançar

            
   
 Nascido em dezembro de 1912 em Exu (cidade pernambucana) e falecido em agosto de 1989 em Recife, Luiz Gonzaga – conhecido como o “Rei do Baião” – é merecidamente homenageado neste musical. Com cerca de uma hora e meia de duração, sem intervalo, o musical conta o que chama de “lenda do rei Luiz”, lenda que dá nome ao espetáculo – Luiz, é claro, é Luiz Gonzaga, o Gonzagão (quando com intervalo, o espetáculo chega a durar duas horas).   
   Alguns dos musicais baseados na vida e obra de algum músico ou banda apenas apresentam músicas do artista/banda em questão, assemelhando-se mais a uma espécie de show cover, como o recente "Milton Nascimento: nada será como antes - O Musical"; outros mesclam de modo excelente uma narração biográfica com músicas do artista/banda, informando ao público tanto quanto o emocionando com a obra do artista ou banda homenageado, como os também recentes “Tim Maia - Vale Tudo, o Musical” e "Ary Barroso - do princípio ao fim". O musical “Gonzagão – A Lenda” encontra-se em uma espécie de meio termo entre estes espetáculos citados. O espetáculo não explora a biografia do músico, perpassando por ela apenas superficial e genericamente, mas também não se mostra como sendo apenas um “show”; obtém, assim, um resultado, se não excelente, bastante satisfatório: animado, delicia o público com o baião e o forró do Rei e dá até vontade de dançar.
Algumas cenas se destacam, emocionando especialmente o público, como a que representa Gonzagão cantando “Que Nem Jiló” (Ai quem me dera voltar/Pros braços do meu xodó/Saudade assim faz roer/E amarga qui nem jiló/Mas ninguém pode dizer/Que me viu triste a chorar/Saudade, o meu remédio é cantar”); a cena de Gonzagão com seu filho, Gonzaguinha, cantando juntos, primeiramente, “Sangrando” (“Quando eu soltar a minha voz/Por favor, entenda/Que palavra por palavra/Eis aqui uma pessoa se entregando/Coração na boca/Peito aberto/Vou sangrando/São as lutas dessa nossa vida/Que eu estou cantando”, de Gonzaguinha) e depois “A Vida do Viajante” (“Minha vida é andar por esse país/Pra ver se um dia descanso feliz/Guardando as recordações/Das terras por onde passei”); e, por fim, a cena em que todos os atores cantam “Asa Branca”.
Oito atores se revezam nos papeis, inclusive no papel principal, fazendo parte do elenco também uma atriz (são eles Larissa Luz, Marcelo Mimoso, Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Eduardo Rios, Fabio Enriquez, Paulo de Melo, Renato Luciano e Ricca Barros); dentre os músicos são quatro: Beto Lemos na viola, na rabeca e no pandeiro; Daniel Silva no violoncelo; Rick De La Torre na bateria e percussão e Rafael Meninão no acordeon, todos com seus pontos altos em diferentes momentos.








            O espetáculo está em cartaz em temporada popular no teatro João Caetano, no centro, até o próximo dia 26 (20 reais a inteira e 10 reais a meia), de quinta a domingo. Segundo os próprios atores essa provavelmente será a última temporada da peça no Rio de Janeiro, pelo menos por um bom tempo.  Portanto, aproveitem! Homenageiem o nosso grande Rei do Baião e se divirtam com o musical!

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Uma pitada de samba e um bocado de histórias

Episódio de hoje: 

A propagação do samba antes do rádio

Antes mesmo da chegada do rádio ao Brasil, o samba já era conhecido e admirado, mesmo assim encontrava muita resistência em diversas camadas da sociedade. Então como o samba e outras músicas populares se tornavam conhecidas?

Primeiramente, como capital do Brasil, o Rio de Janeiro era palco de diversas manifestações culturais e assumia o papel de propulsor dos ritmos que vinham de todas as regiões do país e do mundo para se tornarem gêneros musicais quando juntados a outros ritmos ou até mesmo a outros instrumentos. O choro e o maxixe, por exemplo, surgiram quase que na mesma época – na década de 70 do século XIX – nascidos da variedade musical nacional. As reuniões entre os músicos e a elite, também foram importantes para que as músicas populares alcançassem todas as camadas sociais. Outro acontecimento que tornava o samba conhecido era o fato dos nobres morarem em regiões muito próximas dos pobres. A elite vivia no Centro, em Botafogo e em São Cristóvão, já os pobres moravam na Praça Onze, Santo Cristo, Estácio e Lapa. Esta proximidade facilitava políticos, médicos, intelectuais e outros membros da elite a terem acesso à cultura popular que nascia e se propagava nas proximidades humildes.

Outra forma de divulgação da música popular era a venda de músicas com partituras em papel impresso, já que o piano passou a ser integrante das salas da classe média. Esta forma de divulgação se estendeu desde a segunda metade do século XIX até as décadas de 1920 e 1930. O teatro também era uma importante maneira de veiculação da música. Era muito natural integrar uma música com uma peça teatral ou até mesmo nas salas de cinema. Quando uma peça fazia sucesso, a música certamente obtinha êxito.

Partitura do samba Pelo Telefone.

No ano de 1902, quando foi gravado o primeiro disco no Rio, já existia uma música urbana típica, além dos gêneros estrangeiros que eram “abrasileirados” sendo adaptados pelos músicos nacionais, como a valsa, a habanera e a polca. Até então o Brasil não possuía uma identidade nacional e cultural. As músicas ainda eram de alcance regional. Este panorama perdurou por alguns anos, mesmo após a chegada do rádio.

Machado de Assis publicou na Gazeta de Notícias, em janeiro de 1887, quadrinhas sobre o êxito da polca em território nacional e o abrasileiramento do ritmo que viera da Europa.

Mas a polca? A polca veio
De longas terras estranhas
Galgando o que acabou permeio
Mares, cidades, montanhas.
Aqui ficou, aqui mora
Mas de feições mudadas
Que até discute ou memora
Coisas velhas intricadas.


Veja o episódio 1 em Os primeiros passos do Samba

Veja o episódio 2 em Tia Ciata

Veja o episódio 3 em O negro, o mestiço e o mulato

Veja o episódio 4 em O samba e o futebol - a ginga das rodas e os dribles nos campos

Veja o episódio 5 em O samba "foge" para os morros

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Porque até os maledicentes podem inspirar um poema...

Poema inspirado no causo de um indivíduo que se pôs a blasfemar o trabalho lindo de uma pessoa que sempre foi grande incentivadora da poesia na cidade de Petrópolis, sendo ela alguém que me deu oportunidades de desenvolvimento, desde quando eu era criança. Tal indivíduo se pôs a diminuir todo um trabalho que envolve centenas de pessoas e toda a poesia destas, como se poeta fosse apenas aquele que ganha dinheiro com seus poemas ou que é "famoso" e participante de mil eventos.



Admiro os poetas: os que ganham o pão diário com o seu trabalho escrito
E os que têm outras profissões, mas escrevem pela paixão de se expressar.
Porque, acima de tudo, o que importa a um poeta bem resolvido,
É a liberdade de criar; dizer o que se pensa sem medo do que parecerá.

Sempre há os que gostam de criticar, aqueles cujo ego é perpetuamente ferido.
Graças se pode dar quando se é rodeado de muitos mais que de fato amem a poesia.
Aqueles que brindam às palavras e fazem dos versos um amigo muito querido.
E, ao fazerem isso, reúnem em seus escritos contentamento e harmonia.

Achar-se superior ao outro é até ingenuidade.
Uma pessoa que blasfema o trabalho alheio, só se pode pensar que quer parecer ridícula.
É irônico como há pessoas que em vez de correr atrás da própria prosperidade,
Acham que fazer pouco caso da dos outros irá diminuí-la.

Creio que todos concordam que reconhecimento é ótimo, retorno financeiro também.
Tornar-se um ilustre escritor, quem sabe até Best-seller, é motivo de respeito.
Mas escrever pelo amor que se tem a este ato, apenas, não importa o que falem,
Traz à vida a situação de se ser poeta de modo incondicional, alma que bate no peito.

Quando escrever ou ler poesia é quase condição à respiração,
Vê-se poesia em muito mais que poemas: nas pessoas, nas cores, na natureza.
Ser humilde e ter consciência de que mais vale a mensagem do que o quinhão,
É perceber que mais vale o que se tem na alma do que o que se tem à mesa.

Se há outros modos de se ter rendas financeiras, outro não há de se ser poeta de verdade:
Só mesmo percebendo que na poesia não há lugar para mesquinhez,
Nem para pessoas que sintam prazer em diminuir outras, o que é pura infantilidade.
Achar que títulos ou participações em eventos significa qualidade é pura estupidez.

Achar que não ter no currículo mil convites a bienais impede alguém de ser poeta,
De trabalhar a poesia com amor e de realizar grandes conquistas,
Talvez seja sinal de algum delírio que, negativamente, à mente afeta.
Talvez seja comum entre contratados para escrever, mas não entre artistas.

Por isso só artistas deviam fazem críticas, quando construtivas, a outros artistas:
Quem não tem esse sentimento na alma não compreende a sua extensão.
Os rostos dos autores não precisam ser vistos, deseja-se mais que as poesias sejam lidas.
E que a poesia nunca tenha de se rebaixar a um simples ganha-pão.



sexta-feira, 19 de julho de 2013

Uma pitada de samba e um bocado de histórias

Episódio de hoje: 

O samba "foge" para os morros


O samba já era conhecido e consagrado na década de 1920, ainda sim, sofria perseguições. O gênero musical já havia atravessado o Atlântico diversas vezes, inclusive, Darius Milhaud, que defendia a ideia dos modernistas, compôs diversas obras com ritmos brasileiros, como o chorinho Deux poèmes tupis e o samba Le boeuf sur le toit, lembrado por Donga, amigo de Milhaud, que serviu de trilha sonora para um espetáculo de Jean Cocteau, “usando trechos de dezenas de músicas cariocas que fizeram sucesso nos anos 10” (Vianna, 1995: 104).
"Le boeuf sur le toit", de Darius Milhaud


Ao mesmo tempo em que era tocado em grandes salões, o samba era perseguido nas ruas. Por um lado, o grupo Os Oito Batutas, formado basicamente por negros e mulatos, que tinha como integrantes Pixinguinha, Donga, João Pernambuco entre outros, se apresentava no Cine Odeon, no Theatro Municipal e no exterior. Por outro lado, diversos sambistas como Heitor dos Prazeres eram presos acusados de vagabundagem simplesmente por tocarem violão na rua.

Os Oito Batutas


No início da década de 1920 até meados dos anos 30, o samba ainda era coisa de malandros e cantoria de vagabundos. Os sambistas estavam sujeitos à prisão por tocar violão. A polícia pregava a ordem e não dava trégua. Mas como Jota Efegê descreveu, o samba era valente e não se deixava intimidar pela repressão, apesar de espancados e presos por vagabundagem, os sambistas persistiam em tocar onde quer que fosse. A solução encontrada por eles para fugir da repressão foi subir para tocar samba nos morros, pois lá não eram incomodados.


Os morros da Mangueira, do Estácio e do Salgueiro eram os principais pontos de encontro dos sambistas que fugiam da violência policial. Nas favelas o “samba do asfalto” se encontrava com o “samba do morro”, e assim nasceria uma nova forma de tocar samba, que será visto no capítulo mais adiante. 


Nas andanças pelos bairros do Rio de Janeiro, Heitor dos Prazeres foi o principal responsável por espalhar os sambas pelos bairros de Madureira, Oswaldo Cruz, Olaria, Lapa, Estácio e Vila Isabel, onde conheceria Noel Rosa, o maior sambista de todos os tempos e um dos principais responsáveis pela volta do samba para os asfaltos.

Veja o episódio 1 em Os primeiros passos do Samba

Veja o episódio 2 em Tia Ciata

Veja o episódio 3 em O negro, o mestiço e o mulato

Veja o episódio 4 em O samba e o futebol - a ginga das rodas e os dribles nos campos

 



terça-feira, 2 de julho de 2013

Um pequeno comentário analítico sobre a Revolta do Vinagre.

Em primeiro lugar, vou deixar claro que este comentário não é uma análise definitiva desta Insurreição Popular que estamos vivendo. É apenas uma ideia que tive após ler algumas reportagens, opiniões de pessoas e de ter participado da passeata do 1 milhão aqui no Rio.



"Nunca vi tanto engajamento, realmente desde 1992 que a população não se unia desta forma por uma causa em comum. Todos sabem que não é por 20 centavos, não é pela copa, é pelo fim dos abusos cometidos pelo governo. Saúde, educação, segurança... a população cansou de ser deixada de lado e entoam o hino e carregam as bandeiras, símbolos de representação e patriotismo, os "laços imaginários" que nos unem, como forma de mostrar somos todos um,lutamos por uma causa e vamos construir a verdadeira nação brasileira" Zamara Graziela, 23 anos, estudante de História. Sobre a passeata de segunda feira 17 de junho no Rio de Janeiro.

A opinião de Zamara é bem interessante. Ela aborda dois problemas que pretendo abordar como questão central. Um é: "como conseguimos mobilizar tanta gente nos protestos quando em décadas anteriores o povo aceitava calado as injustiças?" e outro é: "por que só agora é que o povo "acordou"?". Farei uso de três pensadores que estudei na faculdade, mas acalmem-se vou tentar não ser absurdamente chata com isso.

Não dá para pensar nesse movimento de massas  de 2013 sem relembrar que a ultima vez que 100 mil pessoas estiveram nas ruas no Brasil foi em 1992. Na época do Fora Collor a população também passava por momentos bem difíceis. O que teria mobilizado o povo nas duas situações? Segundo Gabriel Tarde (um sociólogo gordinho que arrumou uma celulite no olho) massa é um conceito muito vago e por isso ele dividiu esse conceito em duas partes:

1- Multidão- que seria conjunto de pessoas que se reúnem em prol de uma causa mas que depois de dispersadas dificilmente se reconectam.

2-Público- conjunto de pessoas que se reúnem por afinidade e que se comunicam por algum veículo de informação, sendo assim mais difícil de serem dispersadas quando o movimento finda. Esse tipo de aglomeração só foi possível com o advento da imprensa.

É claro que há muita simplificação desses conceitos, e por isso aconselho a cada um que se interessar de procurar o texto de Tarde, mas por hora vai servir para o debate. Então, em 1992 reuniu-se 100 mil pessoas para o impeachment de Collor, só que segundo um professor da UFRJ no ultimo debate do departamento de ciência política, em 1992 quem coordenava o movimento eram os políticos de esquerda, que na minha opinião eram as lideranças mas também o veículo de informação necessário para juntar todas aquelas pessoas.

Nos dias de hoje, o Facebook é que se tornou o meio de convocar o público. Através dele conseguiu-se reunir pessoas de diferentes convicções políticas, desde os partidários aos apolíticos. As pessoas compareceram em peso reivindicando seus direitos e protestando contra um inimigo em comum: o governo. O barato é que por mais que a direita e a esquerda queiram se tornar líderes desse movimento (ambas disputam o controle das passeatas, inclusive tentam expulsar um ao outro da comissão de frente) o que vence é a parcela autônoma da população. A maioria das pessoas vai como indivíduos dispostos apenas a representar as próprias insatisfações.

"Aonde eu estava foi super tranquila... a gente se concentrou no ifcs e saímos (segundo a galera do facebook) em torno de 600 dali, seguimos pela uruguaiana e fomos apaludidos pelas pessoas que assistiam da calçada, alguns tiravam fotos e tal... chegamos na presidente vargas e eu segui até a rio branco... as pessoas balançavam panos e folhas brancas das janelas pra demonstrar apoio, jogavam papel picado, piscavam as luzes, eu achei muito lindo. e qualquer pessoa que parecia que ia começar algo próximo de vandalismo era vaiada e chamada a se juntar a galera, então não teve problema nenhum." Gabriela Correa. Estudante de história da UFRJ. Sobre a passeata de segunda feira 17 de junho de 2013.


Vejo isso como um grande fenômeno social que  em outras décadas parece-me impossível que ocorresse. Com certeza o Facebook tem grande participação nele, pois sem a organização que essa rede social promoveu duvido que esses números teriam sido atingidos, no entanto o "gigante adormecido" não acordou só por causa disso. Até porque o Facebook é um meio manipulável também, um exemplo disso foi a Greve Geral que tentaram armar. É preciso pensar no caráter da população brasileira, em suas continuidades e rupturas ao longo da História. Em "Os Bestializados" ,José Murilo de Carvalho  explica que na passagem da Monarquia para a República, o povo brasileiro não exercia a cidadania de acordo com a tradição democrática, e por isso era considerado "bestializado" pelas pequenas camadas da sociedade que aderiram ao novo modo de fazer política. Só que segundo o autor, a população possuía seu próprio modo de fazer política: a sátira no carnaval e outros meios de manifestações populares. Para elas os governantes não lhes representavam.

De certa forma, vejo que durante as ultimas décadas essa característica não deixou de existir. Embora tenhamos adquirido maior expressividade política, não deixamos de satirizar os políticos nos carnavais, em pichações etc, e com certeza não temos nos sentido representados pelos governos, mesmo quando a esquerda transformou-se na ordem da vez. Um historiador marxista disse uma vez que o povo pode aguentar por anos uma situação ruim, mas ele se rebela quando vê que está sendo privado do básico. A pesar de ter empregado essa ideia num contexto social totalmente diferente, imagino que essa ideia de Thompson tenha alguma razão de ser se aplicada ao nosso caso atual. Pense bem, desde que a Dilma foi eleita, temos visto protestos, greves e paralisações da maioria dos setores: a polícia, os bombeiros, os professores, -não tenho certeza, mas acho que os pessoal da saúde também embarcou nessa,-os eletricitários e provavelmente muitos outros que não tomei conhecimento. A maioria deles foi tratada por grande repressão dos governos municipais e estaduais, e tudo isso por causa de cortes de gastos como o que tivemos na Educação.

Acho que a Copa só foi mal vista pela população porque parece uma hipocrisia gastar tantos milhões com um luxo quando coisas primárias estão tão descuidadas.











sexta-feira, 28 de junho de 2013

Exposição “Um Outro Olhar”: tão bela que dá vontade de voltar



 


















        

        Inaugurada ao público no último dia 14, a exposição Um Outro Olhar: Coleção Roberto Marinho, no Paço Imperial, apresenta 202 obras, quase 80 delas inéditas. Concluindo uma trilogia que se iniciou em 1985, a exposição é um belíssimo panorama da arte modernista e abstrata do Brasil, além de expor também algumas peças sacras dos séculos XVIII e XIX.
            A mostra não segue uma ordem cronológica, mas sim uma divisão por temas que tem como objetivo apresentar o modo como diversos artistas trataram diferentemente dos mesmos assuntos. Assim, as obras situam-se nos primeiro e segundo andares do Paço, em salas e ambientes específicos para cada tema: retratos, flores, natureza morta, paisagens, infância, religião, trabalho, esportes, lazer, fauna, abstracionismo.
            A seção de obras abstratas está no segundo andar e é a única ordenada pelos artistas, expondo obras de nomes ilustres como Antonio Bandeira, Iberê Camargo, Tomie Ohtake, Cícero Dias, Maria Helena Vieira da Silva, Manabu Mabe, Aloísio Magalhães e Jorge Guinle, dentre outros. Na última sala do segundo andar são apresentadas também esculturas e tapeçarias. O primeiro andar, dividido em temas, expõe obras importantes de artistas fundamentais à arte brasileira, como Guignard, Portinari, Milton Dacosta, Di Cavalcanti, Ismael Nery, Tarsila do Amaral, Volpi, Lasar Segall, Anita Malfatti e José Pancetti. 
           Com curadoria de Lauro Cavalcanti, diretor do Paço Imperial, a mostra fica aberta ao público até o dia 11 de agosto, consistindo-se em uma exposição de suma importância, por dar a oportunidade de se observar e admirar obras muito belas e importantes, assim como de se conhecer mais a arte moderna do país, através da observação e da capacidade de se encantar com as obras. 
A coleção de Roberto Marinho se deu ao longo de muitas décadas, até o período de sua morte (2003), tendo se iniciado quando tais artistas ainda nem eram famosos e reconhecidos. Marinho sempre frequentou mostras e ateliês, além de ter sido amigo de muitos daqueles que assinam as obras de sua coleção. É relevante ressaltar que, independentemente de posições políticas acerca deste, que foi o presidente das Organizações Globo de 1925 a 2003, os artistas e obras presentes na mostra merecem muito ser prestigiados, não só por serem nomes constituintes da arte brasileira, mas, principalmente, porque a maior parte das obras da exposição é realmente apaixonante.
            O Paço Imperial fica aberto de 12h às 18h e se localiza na Praça Quinze de Novembro, 48, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Quanto ao Paço, uma crítica e observação: deve-se ter muito cuidado em algumas de suas escadas, como é possível perceber na foto abaixo, são absurdamente perigosas, pois não há nada entre o corrimão e os degraus, apenas um vazio que, basta escorregar, para ser possível a queda de uma altura considerável.










quarta-feira, 26 de junho de 2013

Plenária define os rumos do movimento popular

Foto: Carlos Pinho

Por Carlos Pinho.

Muito debate, intervenções acaloradas, participação popular e diversas demandas marcaram a plenária do Fórum dos Movimentos Populares, na noite da última terça-feira, 25, que ocorreu no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS-UFRJ) no Largo de São Francisco, no centro do Rio.

A reunião, que contou com estudantes, trabalhadores, representantes de diversos movimentos sociais, coletivos, grupos e partidos, definiu a pauta e os dias dos próximos manifestos. 

Os pontos principais da pauta são: tarifa zero para o transporte público, desmilitarização da polícia e liberdade aos manifestantes presos. As demais reivindicações podem ser apresentadas durante os protestos. A ação policial no Complexo da Maré, na última segunda-feira, 24, que resultou em 9 mortos até o momento, foram repudiados veementemente.

Na quinta-feira, dia 27, a concentração será na Candelária às 16h. No domingo, dia 30, a mobilização partirá da praça Saens Peña, na Tijuca, por volta das 15h, rumo ao Maracanã.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Lima Barreto, ao terceiro dia - Um incansável “mosqueteiro intelectual” recebe homenagem no teatro

[1] A expressão mosqueteiro intelectual é de Nicolau Sevcenko (Literatura como Missão), que em trabalho de crítica literária se dedica à obra de Lima Barreto e Euclides da Cunha. Como características destes mosqueteiros, o autor identifica um mal-estar com a República, por esta não reconhecer os intelectuais e garantir a promoção da mediocridade. A falta de reconhecimento ao invés de calá-los servia de mais combustível para inflamar suas críticas e ações.
[2] Contém spoilers, mas a sua leitura vale à pena. 






Lima Barreto, ao terceiro dia, peça em cartaz no Teatro Dulcina até o dia último deste mês (próximo domingo), é um prato cheio para aqueles que gostam de literatura e teatro. Talvez uma oportunidade ainda maior para aqueles que não conhecem a história de vida de Lima e como, ao contar suas histórias, em uma literatura engajada e de forte crítica social, mostra seu humor sarcástico e o brilhantismo de ir contra o idealismo romântico: a literatura bruta como a vida. Este brilhantismo é ofuscado pelos ataques racistas de uma sociedade que não estava disposta, nem acostumada, a digerir uma literatura rebelde e incômoda, ainda por cima pelos lábios de um negro. Um dos nossos maiores literatos só viria a ter o reconhecimento que merecia, como muitos escritores, postumamente.
Como tradicionalmente ocorre, o autor e sua maior obra são associados: O triste fim de Policarpo Quaresma é Lima Barreto. Tal associação rege a peça e, apesar de comum, é característica primordial para a sua originalidade, visto que a peça não objetiva nem apresentar um panorama biográfico do autor, nem apenas narrar o enredo de sua principal obra. Se o par autor – obra principal é recorrente nos livros, ao subir ao palco torna-se inesperado. A peça é recheada com boa dose de humor – ora inteligente, ora sarcástico – e de criatividade, que expõem a excelente qualidade do texto escrito por Luis Alberto de Abreu. O retrato que se pinta de Lima Barreto combina a ficção e a interpretação de Abreu sobre o literato e os fatos de sua vida, as críticas que esperava, mas não recebeu: o silêncio que tinha como base um abismo bem mais profundo de uma sociedade recém saída da escravidão e do império. Império este do qual Lima mostrou-se, em vida, favorável e nostálgico, vendo aquela sociedade como uma tradição da solidariedade que era completamente ausente na República que via nascer.
Muitas das críticas ácidas que Lima Barreto faz a esta República insurgente estão também muito bem expressas na sua República das Bruzundangas. Alusões explícitas de “Os Bruzundangas” somam-se ao correr do Triste Fim de Policarpo. O Lima maduro trava diálogos comoventes com os seus personagens do Romance e até dele para com ele mesmo, em uma espécie de devaneio: o Lima de 30 anos de idade. Isso ocorrendo em meio ao regime de internato que fora submetido em um hospício, em função de suas depressões. Ficam patentes as incongruências indissolúveis entre a ciência, cujo portador é o médico, e o escritor. Há toda uma trama entre Lima, esse médico que nenhuma certeza pode oferecer a seus pacientes, e Felipe, há longa data internado, em uma espera infrutífera de uma terça-feira, possível data de sua saída, que nunca chega.


Nando Cunha interpreta o jovem Lima Barreto nos esforços de escrever seu grande romance. Esse núcleo é composto também por Mario Hermeto, o ator que dá vida à personagem Gregorinho. Contracenam – como todo o elenco – de forma magistral; sendo a parte mais cômica da peça a expressa pela embriaguez constante do amigo de Lima. Este, como em Os Bruzundangas, diz que há pseudoliteratos que querem figurar na ABL, um mundo onde só os bacharéis têm vez e esses “doutores” sendo os únicos aceitos socialmente para o estudo. No fundo, porém, para Lima Barreto, o objetivo maior de todos eles é fazer parte da burocracia dos empregos públicos. O escritor vê no Barão do Rio Branco o exemplo maior da personificação desse mal. Entre uma recordação e outra, reaparece o médico. A animosidade entre doutor e escritor decresce, pois aquele reconhece a inteligência e comportamento atípico de Lima, incansável em suas lúcidas críticas. É essa história que o Lima Barreto de Luis Alberto de Abreu vive: internado, interagindo em um misto de alucinação e emoção profunda com sua juventude e com os personagens do romance em que o protagonista é Policarpo.


Sim, estão todos lá: saindo do encontro da caneta com o papel do jovem Lima, ao mesmo tempo em que, internado quando mais velho, observa e dialoga, chegando ao ápice de um embate existencial entre ele e o major Quaresma. Este protagonista que dá nome ao livro é ridicularizado por seu ufanismo e idealismo, tendo como triste fim sua condenação ao fuzilamento por Floriano. Seu projeto de fazer do Tupi a língua oficial do país fracassa. O intuito de modernizar o sistema agrário do país conhece o mesmo destino de seu Tupi. Todos, exceto Ismênia, não escapam aos ataques por parte daquele que os inventou. Ismênia é Lima Barreto. O Lima ressentido e da luta não se reconhece com o Lima frustrado do hospital: segue na construção de seu romance.
Tecnicamente, tudo parece ser digno de um grande espetáculo, digno ao igualmente grandioso nome Lima Barreto, que ficou registrado na história da literatura nacional. O elenco de ótima qualidade e uma atuação que a mim pareceu impecável; um cenário belo e criativo, que retrata a vida urbana cerceada de livros.
 A peça tem duração de cerca de uma hora e meia e apresenta, além da qualidade, outras importantes vantagens: localização e preço acessível. O Teatro Dulcina fica na rua Alcindo Guanabara, Cinelândia, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O valor dos ingressos é de 20 reais a inteira. O espetáculo ocorre de sexta a domingo, às 19h. As últimas apresentações serão entre os dias 28 e 30, neste fim de semana. Não percam!

Por Felipe Cavalcanti