Um nos apresenta o grande astro do rock Raul Seixas, forte candidato ao troféu de mais "doidão" (ou de "maluco beleza", pra ficar mais de acordo) dentre todos os artistas brasileiros já existentes e sem dúvidas um dos maiores rockeiros e artistas do nosso país; o outro nos apresenta o grande jogador de futebol Heleno de Freitas, que morreu na solidão do fim do abismo da desgraça de suas próprias atitudes e escolhas. O que eles têm em comum além da nacionalidade? Personalidades fortíssimas. Foram ambos homens apaixonados. Um apaixonado pela música, pela sua capacidade de revolucionar, sendo considerado por muitos o pai do rock brasileiro, pelo álcool e pelas mulheres. O outro, apaixonado por futebol, pelo Botafogo mais especificamente, pelo cigarro, também pelas mulheres e, acima de todas as paixões, foi apaixonado por si mesmo.
O documentário sobre Raul Seixas não tem apenas o mérito de ser sobre um grande artista nacional, cujas letras passaram pela censura militar justamente pela sua inteligência em ocultar seus duplos ou múltiplos sentidos e cuja revolução na música o faz ser considerado por muitos como o maior rockeiro do país; tem mérito também por se desenvolver através de um decorrer dos fatos e dos depoimentos de uma maneira tal que se dá em muito mais que simplesmente apresentá-los: mostra de uma maneira divertida, intensa, engraçada e apaixonante. O documentário consegue perfeitamente passar para o público a intensidade de Raul, de sua música e de sua história. Este baiano passou por dificuldades na cidade maravilhosa, por um bom número de esposas, por filhas com as quais teve pouco contato, pelo grupo "Raulzito e Os Panteras", pela parceria com Paulo Coelho (ao mesmo tempo maravilhosa e com efeitos sombrios), por uma tal Sociedade Alternativa que fazia até sacrifícios de animais, pelas drogas - as quais lhe foram apresentadas por Paulo Coelho, como o próprio confessa no documentário, ao dizer que a única sobre a qual ele não tem certeza é a cocaína - pelo auge, pela queda, e passa até hoje pela nossa lembrança, pelo nosso reconhecimento, carinho e pelo nosso gosto por sua música.
O filme sobre o jogador Heleno de Freitas nos mostra um antiherói do futebol da era de ouro do Rio de Janeiro, os anos 40. É importante ressaltar que o filme em preto e branco e com excelentes closes em Santoro não é exatamente uma biografia, não se propõe a documentar a vida de Heleno e que a cantora estrangeira é fictícia e está ali como resumo de suas aventuras amorosas. Nas palavras de Santoro, Heleno foi um homem "obcecado pela perfeição". Tão talentoso e tão arrogante; como conciliar sua paixão pelo campo, o que exige união e companheirismo entre os componentes de um time, com sua paixão por si mesmo e por mais ninguém? Um egoísta que queria fazer o melhor pelo seu time do coração: o Botafogo, mas que acabou fazendo o pior para si mesmo. Coisa que não atingiu só a ele próprio, como também a sua esposa e filho e a todo um público e imprensa reconhecedores tanto de seu talento quanto de sua personalidade perturbada, que o levou para a solidão e levou sua esposa para um caminho em que acabou por gostar e se casar com aquele que era o melhor amigo de Heleno. Interpretado maravilhosamente por Rodrigo Santoro, o filme é apaixonante pelo mesmo motivo que o documentário de Raul: por conseguir passar ao público a intensidade de Heleno, de sua carreira e de sua história. Infiel, viciadíssimo em cigarro, sem disposição para jogar bem em outros times que não fossem o Botafogo, formado em Direito, um eterno insatisfeito, que falava o que pensava sem antes refletir sobre se as consequências valiam à pena ser sofridas. Falava por impulso, algum déficit mental que lhe impedia de acalçar o equilíbrio e a sensatez ou, talvez, por achar que o mais importante era ele ser ele mesmo sem limites?! A resposta dessa questão não nos é possível alcançar, mas nos é possível perceber, através da atuação impecável de Santoro, o quão forte foi sua personalidade, lamentavelmente, de um modo (muito) negativo. Alinne Moraes também merece elogios pela sua atuação, linda como sempre e mostrando, mais uma vez, não ser só um rosto bonito.
Raul morreu por consequências de seu alcoolismo e da diabetes que havia em seu corpo instalada. Heleno morreu por consequência de sua escolha em não tratar a doença que dominava seu corpo: a sífilis. Raul aos 54, Heleno aos 39. Ambos morreram precocemente e não só por doenças, mas também pelas suas escolhas em viver intensamente e loucamente, cada um a seu modo, em vez de viver por mais tempo. Eu posso dar exemplos de outros artistas que optaram por esse destino (como a recentemente falecida Amy Winehouse) e também de outros jogadores de futebol que, talentosos e com possíveis grandes futuros, "estragaram" suas vidas tolamente (como o caso Bruno), mas no momento não me recordo de exemplos que, além de um final trágico, tenham tido também personalidades tão fortes. Raul e Heleno: focos de dois filmes que merecem ser vistos e prestigiados e dois brasileiros que serão eternamente lembrados, ao mesmo tempo sob a ótica da admiração e também da tristeza e lamentação.
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