Por Carlos Pinho.
Percepções de um marco.
Sobre a internet e a cobertura
da imprensa
A internet mostrou do que é
capaz nos últimos dias. O potencial mobilizador das redes sociais foi explorado
de uma forma nunca antes vista na história deste país. Setores da mídia tiveram
que readaptar suas narrativas, já que suas palavras não exercem o mesmo efeito
de outrora na população. Isso ficou notório, por exemplo, quando José Luiz
Datena, da rede Band de televisão, mesmo alterando a enquente "você é a
favor dos protestos?" para "você é a favor dos protestos com
baderna?", não conseguiu conter o avanço do “sim”, que triplicou o número
de simpatizantes sobre o não. A crise, que assola a mídia tradicional e demite
centenas de profissionais a cada mês, ficou mais do que evidenciada nesse
processo.
Sobre o movimento
O movimento não teve cara, não
teve líderes figurões, não teve partido, tampouco foi fomentado – ou contido -
pela imprensa. Diferentemente do movimento dos caras pintadas, que pediu o
impeachment do, então presidente, Fernando Collor de Mello, esse guarda uma
espontaneidade incomum no histórico de mobilizações no país e natural de quem
vem sendo açoitado ano a ano, calado, aprisionado em suas aflições e ao ouvir,
a partir de uma brecha, o grito de indignação, que lhe é familiar e representa
a sua causa, bota o pé na porta e se junta à catarse coletiva. A gota d’água
foi o aumento na passagem de ônibus, estopim que rompeu a bolsa do comodismo e
fez com que cada canto do Brasil desse à luz a algo que já estava em gestação
há muito tempo. É o movimento do sentimento.
Por ser espontâneo, é difícil
de ser totalmente coeso em seus meios de representação. Mas esse, considerando
a grande multidão, manteve um comprometimento popular louvável. O uso da
violência, por uma pequena parcela de brasileiros, só dá subsídios àqueles que
querem manipular e desvirtuar o caráter do movimento. Mas, como disse, esse é o
movimento do sentimento. E, quando se trata do povo, em massa, reunido para
externar a sua opinião, para, de fato, se manifestar, trata-se também de algo que
abarca uma gama de posições, matizes e níveis de repúdio, descrédito, esperança
e estresse. Enfim, sentimentos. Pode
abarcar até os mal-intencionados, os oportunistas e os tendenciosamente
infiltrados (lembre-se do que aconteceu no Riocentro em 1981). O que não
podemos é substituir o todo pela parte.
O poder aquisitivo do
brasileiro aumentou? Aumentou. Entretanto, o povo, que agora pode adquirir
utensílios impensáveis em tempos de arrocho, vê o avanço dos preços, das
tarifas, da precariedade dos serviços públicos, dos abusos do Estado, do ataque
aos nossos direitos e da corrupção. São elementos suficientes para tirar
qualquer trabalhador honrado do sério, concorda? Esse mesmo povo que vive na
embalagem contraditória do primeiro mundo reivindica um conteúdo que faça jus
ao título propagandeado pelos governantes em suas campanhas publicitárias.
Ganhamos do Japão no futebol, no entanto, eles nos goleiam no que realmente
importa.
Para quem faz questão de
criticar a ação violenta - e criticável – de alguns brasileiros
Acho totalmente válido que
critiquem também a violência do Estado, que desabriga cidadãos, que atira
primeiro e só pergunta “quem é” depois, que desvia o nosso dinheiro e usa-o
como bem entende, que despeja uma fortuna absurda - reunida a partir do nosso
suor para manter o nome limpo na “praça” – em eventos que se resumem, no fundo,
a dois meses de pura ilusão –, que ignora veementemente e calhordamente abismos
e dilemas sociais gritantes e que não faz muita questão de esconder tais
práticas e ainda ri da nossa cara em rede nacional.
Sobre a ação policial
Não vivemos numa democracia
plena. A truculência policial, transmitida ao mundo, nas ações que tentaram
coibir os manifestantes no Rio e em São Paulo na semana passada, evidenciou
algo que alguns tentavam manter guardado na gaveta do esquecimento: a memória
da ditadura. Os resquícios das práticas da época da ditadura abriram uma
questão: estamos num processo de redemocratização que se estende desde o
governo Geisel. Não vivemos numa democracia plena. Precisou-se de uma
mobilização desse porte e, principalmente, durante um período de grande
exposição do país para que fossem reveladas essas feridas mal cicatrizadas.
Afinal, como cantava Cazuza, “meus inimigos estão no poder”. O triste é
constatar que, aos “inimigos” historicamente infamados, incorporaram-se os
traidores.
Sobre os políticos
Não tenho o que dizer além do
que já disse. Mesmo porque ninguém abriu a boca até agora. Não sei, mas acho
que temem algo. Quem sabe seja o povo? (até o fechamento deste artigo, nenhum político havia se pronunciado.)
Causas e efeitos
O problema não é de partido e
nem as reivindicações tem caráter partidário. O problema é de um conjunto de
práticas de um sistema que se perpetua há décadas. É o efeito de uma má
digestão do brasileiro com relação a toda podridão que vem sendo exibida há
anos como carne no açougue. Nosso dever é mostrar que não estamos dormindo no
ponto diante dos desmandos, independentemente de quem esteja no poder.
Não temos partidos. Temos
legendas que são trocadas de acordo com a conveniência do político. Poucos têm
comprometimento ideológico. A esmagadora maioria se conduz pelas cifras e pela
dança das cadeiras do poder. Discutir pessoas e partidos é inútil num sistema
corrompido. Conhece a história da erva daninha? O que nós precisamos discutir é
um país.
Algo muito importante pôde ser
assistido e vivenciado no dia 17 de junho de 2013. Eu não estou meramente contemplando um passado bem recente - e antologicamente presente no presente.
Estou vislumbrando o futuro. Momentos como esse não passam sem deixar marcas
históricas. Não sei o que vai acontecer. Ninguém sabe. Mas a cultura não é
estática. Ela incorpora, interage e/ou substitui elementos, anseios,
personagens, dilemas e representações. Ela está em constante transformação.
Transformação, muitas vezes, dolorida e conflitante. A única coisa que sei –
além do que já disse – é que a primeira coisa que me veio à lembrança no dia 17 de junho de 2013 foi
Chico Buarque cantarolando nos tenebrosos (porém, criativos) anos de 1970,
“amanhã vai ser outro dia”.
Texto perfeito!!!
ResponderExcluirEste título é o nome de uma música do Milton Nascimento, correto?
ResponderExcluirAchei seu post bem abrangente, como afirmei em meu blogue, sempre me autodenominei apolítico, porém, não dá para negar que a política parlamentar influencia e muito em um todo.
Em meu ponto de vista, ao contrário de muitos, não me comovi com o "gigante" que acordou e não me convenci de que somente agora as pessoas saíram das redes sociais para irem pras ruas.
As minorias já estavam acordadas e fazendo isto, protestando na rua, há um bom tempo, porém, como minorias serão sempre minorias, não ganharam (e talvez nunca ganharão) esta visibilidade toda que a maioria está ganhando.
A princípio cheguei a ter meus momentos de pouco ceticismo quando os protestos tinham um foco, que era o da tarifa de ônibus. Hoje, retorno a minha postura assumidamente pessimista, vejo povo nas ruas vandalizando (dizem que é uma minoria, não estou vendo isto pessoalmente), já ocorreram mortes (alguns dizem que faz parte, ok) e o que vemos são manifestações que estão virando baladas, bailes funks, porque em verdade, a maioria que está nas ruas, ao contrário da minoria que já estava há muito tempo, são tão despolitizadas que sequer sabem cantar o hino nacional e se dizem patriotas, brasileiros com muito orgulho, repetindo jargões apenas.
Acerca dos caras pintadas, conversei com pessoas, tanto na virtualidade quanto na realidade e vi que foi uma ilusão acreditar que "o povo" quem tirou Collor do poder e, vendo-o no Senado ultimamente, é realmente de se questionar.
Amanhã será um outro dia, pode não ser exatamente como antes, mas provavelmente não será muito diferente.
Esta é apenas a minha opinião.