sábado, 16 de junho de 2012

Homenagem ao Abrigo Carioca da Liberdade


Quantas possibilidades nos cercam no decorrer de nossas vidas?
Quantas escolhas nós realizamos, quantas opiniões exprimimos?
Quantas pessoas passam por nós a cada dia, quantas poucas se tornam queridas?
E, principalmente, o quanto fingimos ser o que não somos? O quanto nos retraímos?

Em meio a esse mundo de preconceitos e de tentativa de homogeneização,
Em meio a essa sociedade na qual muitos de nós vivemos quase como robôs,
Há na cidade do Rio de Janeiro um recanto de quebra do padrão,
Onde as pessoas podem ser como são, onde a repressão não se impôs.

Entre muitos bares, garrafas de vodka e latinhas de cerveja.
Entre funk tocando em uma ruela, moças de vestidos curtos,
Há aqui um canto onde não importa quem você seja,
Só o que importa é se divertir em alegres surtos.

Surtos de risadas, de luxúria, de momentos com os amigos.
Em meio a um bar tocando forró e o Teatro Odisseia embalado pelo rock e pelo pop,
Em meio a jovens cheios de vida contracenando com prédios antigos,
Há um reduto de liberdade onde as horas transcorrem a galope.

Casais andam de mãos dadas livremente: aqui não há espaço para um mau olhar,
Algumas meninas gostam de meninas, alguns meninos gostam de meninos,
Aqui experiências de todo tipo são bem-vindas e muita beleza nisso há.
Há beleza nessa característica tão rara, que desarma os conceitos ferinos.

Aqueles conceitos criados para excluir, julgar e fazer alguns se sentirem superiores.
Aqui, nesse lugar, a diversidade predomina. Desfila por um tapete vermelho.
Quantos gringos de todo o mundo aqui encontramos, quantas idades, quantas cores.
Talvez o mundo devesse ter este lugar como uma espécie de espelho.

Só aqui, nesse reduto de virgens se autoconhecendo e também de mulheres da noite,
Nesse reduto frequentado por todas as posições políticas e classes sociais,
Só aqui, neste lugar chamado Lapa, “ninguém” é violentado com açoite,
“Ninguém” é ferido com palavras. Os que aqui frequentam se veem como iguais.

Um poema pode ser uma forma de idealização,
Mas não há como andar pelas ruas da Lapa e não se fascinar com a beleza do diferente.
Talvez aqui seja uma idealização de tudo aquilo a que alguns acham que devemos dizer ‘não’,
Ou do contrário, uma idealização daquilo tudo que devia ser inerente a toda gente.

Se por um lado é local de fácil encontro de drogas e da boêmia,
Por outro reúne a fauna humana como iguais que se diferem apenas por suas escolhas.
Todos se divertem juntos, sentam nos mesmos bares, convivem em harmonia.
Neste pequeno paraíso de liberdade podemos sair de nossas próprias bolhas.

Não há pelas ruas que constituem a Lapa muitas árvores nem flores,
Porém sentar na escadaria onde há o Mosaico de Selarón é como se sentir no Jardim do Éden,
Os azulejos mil são como árvores cultivadas com também mil amores,
Amores juvenis, maduros, idealizados, dolorosos. Amores que não se pedem.

Ou amores justamente como os que tanto se pede.
As flores dessa floresta, ora sombria por respirar à noite e por abraçar criaturas diversas,
Ora clara como a luz que só o ser livre irradia; às vezes perfuma, às vezes fede;
Mas sempre tem a sensação de liberdade e de alegria em si imersas.

É aconselhado que se tenha cuidado com suas mochilas, bolsas e sacolas.
E que as moças tenham cautela ao saírem sozinhas pelo labirinto que as ruas formam.
Há os que estão ali procurando sexo, há os pedintes de esmolas,
Há jovens, menores de idade, coroas. Aqui todos se encontram.
 
Céu nublado ou estrelado, só com muita chuva as ruas não ficam cheias,
Durante a madrugada pela Lapa acontece um pouco de tudo.
Sua beleza não está em seu local, mas em sua energia; suas ruas são como veias,
Onde há vida. Há o muito, o livre. O fascínio pelo diferente, sobretudo.














2 comentários:

  1. Sinceramente, este texto/poesia, esta poesia/texto, deveria ser emoldurada e colocada em todas as paredes de todos os bares, casas, prédios e ruas da Lapa...

    Tudo que sempre me admirou, que senti e que amei neste bairro/cidade/país/planeta/Universo incrivelmente louco e loucamente incrivel foi aqui reproduzido, de forma lindamente poética, livre e emocionante.

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  2. Muito bom! Topofilia total! Bonitas e sábias palavras sobre a Lapa, onde idealização e realidade se conciliam como corporificação espaço-temporal da diferença, característica da Lapa!

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