Episódio de hoje:
Os primeiros passos do Samba
Quadro de Heitor dos Prazeres
Por Rodrigo Shampoo
No final do século XIX, a modinha, o lundu e o maxixe eram os ritmos musicais nacionais predominantes no cenário carioca, juntamente com os ritmos estrangeiros como a valsa, a polca e a música erudita, muito apreciada pela elite. Com a abolição da escravatura, os negros livres se reuniam nos grandes centros urbanos para dançar e cantar em cultos religiosos de origem africana, preservando sua cultura adaptada à realidade brasileira. Normalmente, os terreiros onde aconteciam essas reuniões eram as casas das tias baianas. E a mais famosa delas foi a da Tia Ciata. Lá, se reuniam também alguns nomes da música brasileira ainda desconhecidos.
Por ser a capital do Brasil, o Rio de Janeiro atraiu migrantes de todas as partes do país, tornando-se um verdadeiro emaranhado de raças e culturas. O estado desenvolveu então uma música própria, que reunia influências de quase todas as regiões do país. Essa união de pessoas de diversas raças e culturas ocorria em diversas camadas da sociedade, “desde a Casagrande à Senzala”. Foi justamente essa junção de culturas regionais que trouxe os instrumentos das zonas rurais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro e os tambores da Bahia para se unirem aos cultos religiosos de origem africana.
E foi assim que nasceu o samba, em um cenário controverso, pois os ritmos que faziam parte da sua construção, a modinha, o choro, a marcha, o maxixe, o jongo e o lundu, ao mesmo tempo em que eram tocados em grandes salões, em casa de políticos e de intelectuais, eram também renegados por boa parte da elite e perseguidos pela polícia. O samba passou realmente a ganhar força como música nacional com o movimento modernista iniciado por Mario de Andrade e Oswald de Andrade e defendido também por Gilberto Freyre, Graça Aranha, Sílvio Romero, Lima Barreto, Afonso Arinos, entre outros, que buscavam uma valorização da “coisa brasileira”. Os ritmos nacionais, a cultura negra, o mulato e o mestiço foram os principais beneficiados por esse movimento, que seria responsável por uma “reviravolta”, que deixou de lado o vanguardismo internacional para valorizar uma imagem de cultura nacional.
Ao longo da história, há vários relatos sobre encontros de intelectuais, fazendeiros, políticos, aristocratas, escritores e outros membros da elite com músicos das camadas mais populares. Essas reuniões foram fundamentais para o surgimento de ritmos genuinamente brasileiros, como o samba, e, mais tarde, para a transformação deste samba em símbolo da identidade nacional.
Os primeiros registros desses encontros começam no final do século XVIII, com a invenção da modinha. Segundo o historiador Hermano Vianna, “José Ramos Tinhorão, um dos mais importantes historiadores da música popular brasileira, descreve a modinha como um ritmo nacional inventado por mulatos das camadas populares de se tocar canções líricas portuguesas”. As modinhas normalmente abordavam temas amorosos e eram acompanhadas por instrumentos de corda como o violão ou o bandolim.
Após a independência do Brasil, a modinha passou a ser parte integrante da corte, mesmo ainda mal vista por boa parte da nobreza. Mesmo assim, abriu as portas para a entrada do lundu na corte de Dom Pedro I. Em meados do século XIX, a renovação da modinha teve participação de vários segmentos da sociedade brasileira. Como conta Gilberto Freyre: “A modinha foi um grande agente musical de unificação brasileira, cantada, como foi, no Segundo Reinado, por uns ao som do piano, no interior das casas nobres e burguesas, por outros, ao som do violão, ao sereno ou à porta até de palhoças”.
Catulo da Paixão Cearense
Catulo da Paixão Cearense foi um bom exemplo da unificação das classes populares com a elite. Teve papel fundamental na mediação das classes sociais. Foi durante abelle époque carioca, entre 1898 e 1914 – um período em que a elite tentava pôr fim ao Brasil antigo, um Brasil “africano”, endeusando o modelo de civilização parisiense – que Catulo da Paixão Cearense e o violonista João Pernambuco conquistaram a elite com músicas regionais. Suas modinhas faziam sucesso nas reuniões lítero-musicais e nos saraus nas casas de políticos e de intelectuais, e até mesmo no Palácio do Catete.
Ainda assim, com o sucesso alcançado pela música sertaneja e pela modinha, os ritmos europeus e norte-americanos dominavam os salões durante os carnavais. Apesar do domínio estrangeiro, o repertório da folia brasileira era bem variado, ía desde o lundu, o maxixe e o xote à valsa, ao foxtrote e à polca. Essa mistura de música estrangeira com alguns ritmos nacionais imperou por décadas nos carnavais até o samba se consolidar, em meados da década de 1930.
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